O nosso tempo não é confuso. Ele é convicto. Convicto de que não precisa mais de verdade, apenas de opinião. Chamou isso de liberdade, mas o efeito foi vertigem. Quando tudo vale, nada sustenta.
Platão já havia percebido que, quando a caverna vira casa, a luz deixa de ser libertação e passa a ser agressão. Hoje, qualquer tentativa de clareza é tratada como intolerância. O problema não é a escuridão; é o conforto que ela oferece.
O ser humano moderno se orgulha de ter rompido com os céus, mas segue caminhando com os bolsos cheios de ídolos pequenos: prazer, desempenho, reconhecimento e autonomia absoluta. Deuses baratos. Exigem tudo e não entregam nada. Mudamos o altar, não o impulso de adorar.
Kant observou que existe no homem uma fissura moral: sabemos o que é correto, mas escolhemos o contrário e, depois, construímos sistemas inteiros para justificar a escolha. Camus chamou isso de absurdo. Nietzsche, de vontade de poder. A psicologia moderna prefere termos mais técnicos. O nome muda; a falha permanece.
Nunca tivemos tanto acesso à informação e, paradoxalmente, nunca fomos tão fáceis de manipular. Nunca se falou tanto em liberdade, e nunca se viveu com tanto medo. Hannah Arendt alertou que, quando a verdade deixa de ser relevante, o mal não precisa mais ser monstruoso; basta ser banal. Ele se instala silenciosamente nos discursos, nos algoritmos, nas normalizações diárias.
O mundo não sofre por falta de ciência. Sofre por excesso de orgulho. As cidades crescem para cima enquanto apodrecem por dentro. Prédios sobem, virtudes descem. Produzimos mais, sentimos menos. Chamamos de progresso aquilo que é apenas velocidade.
Nietzsche declarou a morte de Deus, mas talvez não tenha previsto o funeral do homem. Quando tudo é permitido, o ser humano não se torna livre; torna-se vazio. E o vazio sempre implora por um dono.
Jean-Paul Sartre afirmou que estamos condenados à liberdade. Esqueceu apenas de mencionar o custo dessa condenação: carregar sozinho o peso do sentido. É por isso que o mundo corre, consome, se exibe e faz barulho. O silêncio virou ameaça. A interioridade, território abandonado.
Pascal foi incisivo: grande parte da miséria humana nasce da incapacidade de permanecer em silêncio. O que antes parecia reflexão religiosa hoje soa como diagnóstico clínico. Nunca estivemos tão distraídos de nós mesmos.
A pergunta central do nosso tempo já não é “o que é verdade?”, mas “quem ainda suporta ouvi-la?”. Vivemos em um reino invertido, onde o alto é descartável, o eterno é visto como ingenuidade, o sagrado é taxado de opressão e o transitório governa com autoridade absoluta.
Todo reino invertido, porém, carrega uma possibilidade silenciosa: quando tudo está de cabeça para baixo, basta um giro para que o sentido reapareça. Talvez a redenção do homem moderno não esteja em descobrir algo novo, mas em lembrar aquilo que decidiu esquecer.
A verdade não morreu. Ela apenas foi empurrada para o alto... esperando alguém que ainda tenha coragem de olhar para cima.

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