Antes de mergulharmos no texto bíblico, precisamos entender duas expressões que vêm de culturas diferentes, mas falam da mesma realidade.
Mono no aware (物の哀れ): expressão japonesa.
Mono significa “coisa”.
Aware era originalmente uma interjeição de admiração ou emoção profunda, usada diante de algo belo ou comovente.
Com o tempo, passou a significar a sensibilidade para perceber a beleza das coisas na sua impermanência, a melancolia suave de saber que tudo passa.
Memento mori (latim):
Memento vem do verbo meminisse, “lembrar-se”.
Mori vem de mors, “morte”.
Literalmente: “lembra-te da morte”. Um chamado a viver consciente da brevidade da vida, comum entre monges e pensadores cristãos medievais.
Duas línguas, dois mundos, duas imagens: o japonês contempla a flor que cai e sente sua beleza efêmera. O latino olha para o crânio e lembra que é pó. Ambos reconhecem o mesmo: somos passageiros.
A questão é: diante disso, o que o cristianismo tem a dizer?
Imagine-se diante de uma cerejeira no Japão, na primavera. Milhares de pétalas se soltam, dançando pelo ar como neve cor-de-rosa. O povo se reúne em silêncio e alegria, sabendo que em poucos dias as flores terão caído. Eles chamam isso de mono no aware — a beleza que comove porque sabemos que vai passar.
Agora, contraste isso com um monge medieval europeu, que colocava um crânio sobre a mesa de estudos. Ao olhar para ele, repetia a frase: memento mori — lembra-te que vais morrer.
Duas culturas distantes, mas a mesma verdade: a vida é breve, o tempo é um rio que corre, e nós somos folhas levadas pela corrente.
Mas aqui surge a pergunta: o que fazer com essa consciência? Cair em desespero? Afundar em nostalgia? Ou descobrir esperança?
É aqui que o cristianismo entra: não para negar a impermanência, mas para revelar que a flor que cai anuncia uma vida que floresce para sempre em Cristo.
O Peso do Tempo e a Fragilidade da Vida
Salomão, em Eclesiastes, se debruça sobre o fluxo da vida: nascer, morrer, plantar, arrancar, chorar, rir. Tudo tem o seu tempo, mas nada fica. O rei mais sábio de Israel sentiu o mesmo que o poeta japonês diante da flor: tudo é vaidade, tudo passa.
O mono no aware nos convida a sentir essa melancolia doce. A Bíblia chama isso de sabedoria: “Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos coração sábio” (Salmo 90:12).
E o memento mori nos disciplina: você vai morrer. Não é pessimismo, é verdade. A morte é a grande equalizadora: não poupa reis, não esquece pobres, não negocia com ninguém.
Mas aqui surge a tensão: se tudo passa, há algum sentido?
O cristianismo não foge do tema da morte. Jesus chora diante do túmulo de Lázaro. Paulo afirma: “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1Co 15:26).
A diferença é que a Bíblia não para no memento mori. Ela acrescenta um novo chamado: “memento resurgere” - lembra-te que vais ressuscitar.
A cruz é o lugar onde a pétala cai e o fruto nasce. Onde o pó retorna ao pó, mas o sopro do Espírito recria.
Enquanto o mundo apenas contempla o passar do tempo, o cristão contempla a eternidade invadindo o tempo.
Assim, o mono no aware nos ensina a apreciar a beleza que se desfaz; o memento mori nos ensina a levar a vida a sério; e Cristo nos ensina que até o pó pode florescer novamente.
Conta-se a história de um samurai que, à beira da morte, pediu a um monge que lhe mostrasse o sentido da vida em poucas palavras. O monge levou-o a um jardim e apontou para uma cerejeira em flor. O samurai sorriu e entendeu: a vida é bela, mas breve.
Séculos depois, em outra cultura, Martinho Lutero teria dito: “Se eu soubesse que o mundo acabaria amanhã, ainda hoje plantaria uma macieira.”
Duas imagens distantes, mas que se encontram no Evangelho:E nós, cristãos, entendemos os dois: as pétalas caem, mas o jardim de Deus florescerá de novo.
Na vida pessoal: Não desperdice os dias. Ame hoje, perdoe hoje, viva hoje. As pétalas não esperam.
Na família: Valorize os que estão ao seu redor. O memento mori lembra que eles não são eternos aqui.
Na fé: Encare a morte não como ponto final, mas como vírgula. Cristo é a continuação da frase da sua vida.
Na missão: O tempo é breve. Pregue o evangelho como quem oferece flores antes que sequem.
As pétalas caem. O pó retorna ao pó. Os séculos repetem o mesmo refrão: tudo passa.
Mas o cristianismo ousa acrescentar uma nova estrofe: “Eis que faço novas todas as coisas” (Apocalipse 21:5).
O mono no aware nos dá lágrimas belas. O memento mori nos dá consciência séria. Mas Cristo nos dá esperança eterna.
Assim, quando virmos uma flor cair ou uma cinza ser soprada pelo vento, poderemos dizer:
- Sim, a vida é breve.
- Sim, a morte é certa.
- Mas sim, em Cristo, a eternidade já começou.
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