Entre Pétalas e Cinzas - O Evangelho da Impermanência


Eclesiastes 3:1-2 - “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu: há tempo de nascer, e tempo de morrer...”

Antes de mergulharmos no texto bíblico, precisamos entender duas expressões que vêm de culturas diferentes, mas falam da mesma realidade.

Mono no aware (物の哀れ): expressão japonesa.

Mono significa “coisa”.

Aware era originalmente uma interjeição de admiração ou emoção profunda, usada diante de algo belo ou comovente.

Com o tempo, passou a significar a sensibilidade para perceber a beleza das coisas na sua impermanência, a melancolia suave de saber que tudo passa.

Memento mori (latim):

Memento vem do verbo meminisse, “lembrar-se”.

Mori vem de mors, “morte”.

Literalmente: “lembra-te da morte”. Um chamado a viver consciente da brevidade da vida, comum entre monges e pensadores cristãos medievais.

Duas línguas, dois mundos, duas imagens: o japonês contempla a flor que cai e sente sua beleza efêmera. O latino olha para o crânio e lembra que é pó. Ambos reconhecem o mesmo: somos passageiros.

A questão é: diante disso, o que o cristianismo tem a dizer?

Imagine-se diante de uma cerejeira no Japão, na primavera. Milhares de pétalas se soltam, dançando pelo ar como neve cor-de-rosa. O povo se reúne em silêncio e alegria, sabendo que em poucos dias as flores terão caído. Eles chamam isso de mono no aware — a beleza que comove porque sabemos que vai passar.

Agora, contraste isso com um monge medieval europeu, que colocava um crânio sobre a mesa de estudos. Ao olhar para ele, repetia a frase: memento mori — lembra-te que vais morrer.

Duas culturas distantes, mas a mesma verdade: a vida é breve, o tempo é um rio que corre, e nós somos folhas levadas pela corrente.

Mas aqui surge a pergunta: o que fazer com essa consciência? Cair em desespero? Afundar em nostalgia? Ou descobrir esperança?

É aqui que o cristianismo entra: não para negar a impermanência, mas para revelar que a flor que cai anuncia uma vida que floresce para sempre em Cristo.

O Peso do Tempo e a Fragilidade da Vida

Salomão, em Eclesiastes, se debruça sobre o fluxo da vida: nascer, morrer, plantar, arrancar, chorar, rir. Tudo tem o seu tempo, mas nada fica. O rei mais sábio de Israel sentiu o mesmo que o poeta japonês diante da flor: tudo é vaidade, tudo passa.

O mono no aware nos convida a sentir essa melancolia doce. A Bíblia chama isso de sabedoria: “Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos coração sábio” (Salmo 90:12).

E o memento mori nos disciplina: você vai morrer. Não é pessimismo, é verdade. A morte é a grande equalizadora: não poupa reis, não esquece pobres, não negocia com ninguém.

Mas aqui surge a tensão: se tudo passa, há algum sentido?

O cristianismo não foge do tema da morte. Jesus chora diante do túmulo de Lázaro. Paulo afirma: “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1Co 15:26).

A diferença é que a Bíblia não para no memento mori. Ela acrescenta um novo chamado: “memento resurgere” - lembra-te que vais ressuscitar.

A cruz é o lugar onde a pétala cai e o fruto nasce. Onde o pó retorna ao pó, mas o sopro do Espírito recria.

Enquanto o mundo apenas contempla o passar do tempo, o cristão contempla a eternidade invadindo o tempo.

Assim, o mono no aware nos ensina a apreciar a beleza que se desfaz; o memento mori nos ensina a levar a vida a sério; e Cristo nos ensina que até o pó pode florescer novamente.

Conta-se a história de um samurai que, à beira da morte, pediu a um monge que lhe mostrasse o sentido da vida em poucas palavras. O monge levou-o a um jardim e apontou para uma cerejeira em flor. O samurai sorriu e entendeu: a vida é bela, mas breve.

Séculos depois, em outra cultura, Martinho Lutero teria dito: “Se eu soubesse que o mundo acabaria amanhã, ainda hoje plantaria uma macieira.”

Duas imagens distantes, mas que se encontram no Evangelho:
  • O samurai entendeu a brevidade da vida.
  • Lutero entendeu que, mesmo na brevidade, há esperança de futuro.
  • E nós, cristãos, entendemos os dois: as pétalas caem, mas o jardim de Deus florescerá de novo.

    Na vida pessoal: Não desperdice os dias. Ame hoje, perdoe hoje, viva hoje. As pétalas não esperam.

    Na família: Valorize os que estão ao seu redor. O memento mori lembra que eles não são eternos aqui.

    Na fé: Encare a morte não como ponto final, mas como vírgula. Cristo é a continuação da frase da sua vida.

    Na missão: O tempo é breve. Pregue o evangelho como quem oferece flores antes que sequem.

    As pétalas caem. O pó retorna ao pó. Os séculos repetem o mesmo refrão: tudo passa.

    Mas o cristianismo ousa acrescentar uma nova estrofe: “Eis que faço novas todas as coisas” (Apocalipse 21:5).

    O mono no aware nos dá lágrimas belas. O memento mori nos dá consciência séria. Mas Cristo nos dá esperança eterna.

    Assim, quando virmos uma flor cair ou uma cinza ser soprada pelo vento, poderemos dizer:

    • Sim, a vida é breve.
    • Sim, a morte é certa.
    • Mas sim, em Cristo, a eternidade já começou.

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